segunda-feira, 18 de abril de 2016



1-   Dago, Nílson, Maria e Marcão    
     Após algumas boas baforadas e lembranças ao leu, o velho voltar a falar, sua conversa pausada, consistente de quem queria colocar para fora de seu intimo, algo que a muito o torturava... iniciou lembrando de bons amigos, Dago, Nílson, Maria e Marcão.... disse-me: nos meados de 88, estava rodado Ia pelas bandas do Palmeiral, tinha acabado de fazer algumas diárias como ajudante de carpinteiro na construção de uma draga escariante... um ajudante ali, naquelas paradas valia um bom dinheiro. Era uma mão de obra escassa e quando aparecia alguém o preço era bom...assim fiquei por uns quinze dias trabalhando naquela barranca de rio. Dormíamos em redes, dependuradas na própria draga, fazíamos nossas refeições ali. A alimentação era farta...recebíamos regiamente a cada final de semana. O Palmeiral era um lugarejo muito movimentado naqueles tempos..era um corre corre de caminhões e caminhonetes com matérias para construções de dragas e alimentação para o garimpo. Hoje imagino que corria muito dinheiro ali. A currutela pulsava viva e  abundante. A noite era uma só festa, com seus vários bares abertos a noite toda e a música correndo solta. Era o inicio da época da lambada e isso era tocado direto nos tocas discos dos bares. Mulheres vindas de vários lugares ali atendendo tanto como garçonete e quando as coisas davam certo, sempre pintava um romance ou outro. Sempre aconteciam algumas brigas, mais poucas, bem menos que as pessoas que não conheciam o garimpo imaginava. E assim a currutela do Palmeral ia vivendo seu dia a dia. Dia de glória e esplendor, que nunca mais foi o será visto. A era romântica do garimpo se foi....
     O dinheiro corria tão fácil por ali que certas coisas, que em outros lugares causariam o maior tumulto, ali era relevado... certo dia involuntariamente derrubei uma moto serra no rio. Aguardava a cobrança, o xingamento e a fúria do mestre de obras,.pois era isso que aconteceria em qualquer outro lugar. Mais ali não.,apenas olhou a mesma indo rio a dentro., e disse: vou passar um rádio para vir outra da cidade....aquilo me surpreendeu e foi  naquele exato momento que fiquei sabendo como era a alma e a essência do garimpo.  Porem não tinham vindo dos pagos do Rio Grande, para trabalhar de ajudante de carpinteiro, queira mais...queria ser um garimpeiro.,queria sentir em minhas mãos o brilhar e a força de um pedaço de ouro azogado....e assim subi em uma voadeira e comecei a subir o rio Madeira rumo ao garimpo do Dois Irmãos. Após alguns minutos rio acima a fofoca do garimpo apareceu. Fiquei a principio boquiaberto pelo numero grande de dragas, postos de abastecimentos, bares e mercados colocado em cima de flutuante.,mais o que mais me chamou a atenção foi um flutuante em que uma enorme águia branca feita de madeira, batia suas asas quando do movimento das águas do rio. Era o brega da Deusa., e segundo se dizia, o melhor lugar para se divertir de todo o garimpo...ali estava aquela águia, imponente, linda e chamativa...o garimpo me chamava...a vida me chamava. Outra coisa que a principio me impressionou foi o grande barulho de motores.,pois as dragas estavam em pleno funcionamento,somando-se a isso os geradores de energia dos flutuantes e as voadeiras, na sua maioria de motor 45, subindo e descendo o rio. A voadeira que me dera a carona encostou em u posto de abastecimento flutuante;.que vendia combustível e junto um pequeno armazém em que se tinha de tudo. Logo soube que pertencia aos sócios Dago e Nílson... o Nílson, um descendente de alemão de quase dois metros de alturas com uma baita tatuagem ao longo de seu braço., e o Dago um acreano que com o passar dos tempos aprendi a respeitar como um ser humano impar. Ali ninguém ficava com fome ou sem um lugar para pernoitar. Corajosamente cheguei-me ao Nílson e perguntei se ele não teria um serviço ali para mim. Falou secamente que não, que já tinha gente o suficiente para tocar suas empresas ali. Fiquei cabisbaixo e triste e fui sentar-me a beira do flutuante aguardando uma carona para procurar uma colocação em outra balsa ou flutuante. Passado uns quinze minutos o Nílson me chama e olha bem para mim e diz: olha, alemãozinho, fui com sua cara...coloca suas coisas Ia no flutuantes e pode começar a trabalhar. O Marcão te mostra o serviço. Com isso virou as costa, entrou em seu escritório e fechou a porta. Ali não se falava de salário ou de ganho.,tudo  viria á seu tempo certo. O Marcão era o gerente de tudo ali..era o gerente, o atendente da lanchonete, o caixa, o contador e tudo o mais. Mais acima de tudo era um cara com uma alma de menino., me recebeu como se fosse um familiar., e disse-me que meu trabalho ali seria colocar combustível nos tambores trazido pelas inúmeras voadeiras.,pois o posto do Dago e do Nilson era bem movimentado.,chegavam voadeiras com carotes de vinte litros, geralmente olho diesel para as dragas.,calculo que ali deveriam ter mais de 200 dragas do tipo escariantes, que era o que mais de moderno tinha naquela época,para aquele tipo de garimpagem. Quando a tarde noite chegou,após o tradicional banho com uma lata de dez litros amarradas a uma corda tirada do próprio rio, amarrei minha draga perto do motor gerador de energia...o barulho era grande, mais com o cheiro forte de óleo diesel, os carrapanas não me importunada, e isso era bom. E assim os dias foram passando e finalmente estava fazendo parte da vida de um garimpo. Já a Maria, era um morena, natural da Paraíba, que também co-gerenciava tudo ali, junto com o Marcão, mais, porém cuidava mais da parte operacional. Era quem dirigia as voadeira levando um rebocador,quando íamos buscar o combustível que chegava em caminhões na barranca do rio, para encher os tanques do posto. Era rude quando necessário, mais, tenra e amável quando tudo estava calmo. Às vezes era quem cozinhava para nós, e até hoje nunca saboreei um baião de dois iguais a que ela fazia.  E assim fui fuçando, conhecendo os segredos daquele garimpo e a vontade de trabalhar em uma draga aumentava dia a dia;porém, era difícil a draga que permite um brabo(aquele que não sabe trabalhar) a fazer parte de sua equipe. Porem, certo dia a oportunidade apareceu. O Nílson, tinha duas dragas escariantes e quando chegou o mês de dezembro ele achou por bem(como faziam a maior parte dos dragueiros), encostar ela no barranco e só voltar para a fofoca após as águas. E perguntou se eu queria ficar cuidando dela na barranca do rio.  E era essa a oportunidade que precisava, pois, sabia que quando voltasse a época da garimpagem, seria efetivado. Fui, alegre e feliz. Foram sessenta dias naquele barranco. Nesse meio tempo tive a primeira das mais de vinte malárias que tive. A febre começou leve e foi ficando mais forte e os sintomas eram visíveis. Fui ate o flutuante e pedi para o Nílson um dinheiro para ir ate Porto Velho fazer o tratamento. Ele meteu a mão no bolso e tirou um tufo de dinheiro e disse., vai se trata e volta..e era assim o velho e bom Nilson.,preocupação mínima com as coisas matérias. Para ele o garimpo além de uma forma de ganhar a vida, era uma grande família,e como chefe desta família, nada poderia faltar para seus filhos. Após recuperar me desta malária, voltei para a draga e quando a estação de garimpo voltou, em fim de abril, inicio de maio, o Nílson me deu a grane chance que precisava. Seria um dos brabos da draga escariante dele., e assim comecei a aprender a mexer com cascalho, terra, azougue e ouro. Aprendizado de suma importância.,pois no garimpo ou você aprende e vira um garimpeiro.,ou volta para a cidade e ficará ouvindo as prosas e as lendas, sempre em dúvidas se era verdade ou não. Fiquei uma temporada toda com o Nílson, na sua draga, mais existe um porém, quando você entra como brabo em uma draga, por mais que trabalhe,por mais que saiba executar suas tarefas, você sempre será um brabo., e o único caminho e sair e procurar serviço em outra draga, ai já como manso. Muito aprendi com você Nílson, Dago, Marcão e Maria e que a vida tenha sido boa para vocês. Saudades.

segunda-feira, 7 de março de 2016

                                      a volta do velho garimpeiro:

caros amigos, leitores e seguidores deste blog. tinha parado um tempo, mais após saber que mais de 17.000 visualizações este blog teve, resolvi voltar a escrever. neste meio tempo muitas coisas aconteceram, mais vou citar só as boas:
       1- parte de meu blog foi usado para uma dissertação de final de curso em uma faculdade de geografia.
       2- um grande amigo e escritor,  usou(com a devida autorização) alguns trechos deste blog em seu mais recente livro: a filha dos rios.,do escritor Ilko Minev. se ainda não leram,leiam.,pois é espetacular.
       3- obtive o segundo lugar no primeiro concurso de cronicas do Sidafisco-Ro. era uma cronica sobre o uso do dinheiro do imposto...(http://www.sindafisco.org.br/Pesquisa/ganhadores-no-1-concurso-de-cronicas-do-sindafisco/)..neste link tem o detalhes.
   enfim, isso tudo me animou a voltar a escrever.
              Finalmente começo a escrever o meu livro, lembranças de um velho garimpeiro., e é trecho dele que vou postar aqui. algumas historias devem se repetir, mais acho que sera legal. abraços a todos e boa leitura.

                           

1-   CONVERSA EM FRENTE AO RIO MADEIRA
     Tarde quente, como de costume e a praça Madeira-Mamoré como toda a tarde estava com bom movimento de pessoas.  Algumas passeando, outras conhecendo a praça e boa parte curtindo a brisa que vem do rio. Em um dos bancos estava sentado um velho, fumando seu cachimbo e olhando fixamente para o rio. Mais não era como outros velhos que ali freqüentava, que tinham seus semblantes tristes, seu olhar saudoso e notoriamente uma depressão visível. Este velho era diferente....via-se com nitidez um leve sorriso em seus lábios e um olhar encantador sobre as águas do rio, olhar que contrastava com o sol que brilhava aquelas turbulentas águas. Pelo modo que baforava seu cachimbo conclui que o mesmo era um companheiro inseparável, confidente para ser mais preciso. Aquele olhar sorridente e o modo com que olhava para o lado esquerdo do rio me deixaram curioso e por que não dizer inquietante: qual o segredo ou então qual as lembranças que passavam pela cabeça deste ancião...pelo leve sorriso lembranças felizes...pelo longo olhar lembranças que já se fazem saudosas...precisava decifrá-lo...se conseguisse isso provavelmente teria uma viagem inesquecível á um passado aventureiro e é o que vou fazer.
     Aproximei-me e puxei conversa... o velho era receptível e facilmente iniciamos um dialogo...bateu o fornilho de seu cachimbo contra a mureta do banco, e eu como conhecedor deste habito notei que seu cachimbo era de boa qualidade, provavelmente um amphora, de fabricação holandesa, e feita com madeiras nobre., e ainda dava para sentir o aroma do fumo que acabara de fumar, e que pelo cheiro e leveza, deduzo que era um yenidje de origem turca, fumo mediterrâneo de aroma bem característico, isso me fazia concluir que o velho era dotado de um bom nível cultural e conhecimentos comospolitanos, o que fazia com que minha curiosidade só aumentasse. Iniciamos nosso dialogo com as apresentações formais, apresentou-se dizendo apenas ser um velho garimpeiro, saudoso dos tempos românticos dos garimpos do norte do Brasil e que vinha ali sempre que possível, olhar para as turbulentas águas do Madeira e recordar daquele grande e valioso tesouro que guardava consigo: as lembranças de um velho garimpeiro.
     Bem jovem, dizem que a palavra saudade não existe...pode ate não existir a palavra, mais te garanto que a saudade existe, e é como uma faca, que fica tentando furar sua pele. Olha para este rio...corre, lépido e sem parar, como se em seu passado, não tivesse deixado, lagrimas,sangue e saudades para trás. Se as barrancas deste rio pudesse falar, contariam coisas inacreditáveis. Aqui nos alegramos, choramos, vivemos e morremos, tudo ao mesmo tempo. Creio que o que a psicologia chama de bipolaridade é o que o garimpeiro após alguns meses aqui no Madeirão sente. Vamos da alegria á tristeza...do sorriso ao choro..da aflição á tranqüilidade, tudo isso num tempo recorde. Choramos de saudades de um familiar, de um filho, de um amigo..e ai de repente uma boa despencada, e pronto o ouro em nossas mãos nos transem um sorriso, uma êxtase, uma adrenalina que faz que tudo seja esquecido. O ouro, o louco ouro que fez deste rio e da vida de muitos um rebuliço inesquecível.
     Neste momento o velho enche um novo fornilho, acende seu cachimbo e tragando-o se cala. Pela experiência sabia que o melhor era deixá-lo viajar no devaneio de seus pensamentos. Deixar a saudade, as lembranças a vida que um dia foi bela e que agora esta se esvairando..... deixar a alma subir e descer o Madeirão....deixar suas idéias viajar por vilas, currutelas, dragas, balsas, flutuantes e bregas, que fazem de uma fofoca garimpeira,um lugar únicio, impar....
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      na próxima postagem.,o velho  chega finalmente ao garimpo....até.